Desde 2015 MP e Justiça sabiam de alojamento de jovens em contêineres no Flamengo

Ministério Público pediu interdição do Ninho do Urubu há quatro anos e citava estrutura. Em 2016, relatório de fiscalização do Judiciário considerou soluções do clube satisfatórias

Tragédia deixou 10 adolescentes mortos e três feridos no Ninho do Urubu — Foto: André Durão / GloboEsporte.com


Em decisão da 1ª Vara da Infância, da Juventude e do Idoso nesta quinta-feira, o Ninho do Urubu acabou interditado para crianças e adolescentes por decisão do juiz Pedro Henrique Alves. Ele cita que "se verificou inovação realizada pelo Clube de Regatas do Flamengo que, sem sequer comunicar a este Juízo, realizou o alojamento de adolescentes nos contêineres que, infelizmente, pegaram fogo, ceifando a vida de dez deles e ferindo outros três". Pelo projeto protocolado junto ao Corpo de Bombeiros, a área onde ficava o alojamento era descrita como estacionamento.

Porém, um relatório feito pelo serviço de fiscalização do Setor de Integração de Entidades de Atendimento (Sineate), realizado em abril de 2016, cita instalações em contêineres. O mesmo ocorre com a petição inicial do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MP-RJ), feita em 2015. Nela é solicitada a interdição do local. A partir dessa petição, se iniciou o processo no qual foi tomada a decisão desta quinta-feira. O Sineate, que realizou vistorias no decorrer da ação, é uma espécie de braço técnico do Judiciário e seus relatórios podem embasar decisões do MP e de juízes.
Na denúncia oferecida pelo MP-RJ em 2015 está o trecho: "No alojamento dos atletas em estágio de avaliação, chamado de "contêiner" para quatro quartos (cada quarto com quatro beliches), há disponibilidade de apenas um conjunto, ou seja, há sete adolescentes utilizando apenas um chuveiro, um sanitário e uma pia". Mais adiante, no mesmo documento, a constatação de que "os pertences dos atletas permanecem guardados em bolsas e mochilas, pois os armários são muito pequenos".

Trecho de petição do MP-RJ feita em 2015 — Foto: Reprodução

Além de uma série de demandas feitas na denúncia, o MP-RJ pede a interdição dos alojamentos para os adolescentes: 
"Por tal razão, justifica-se o pleito ora formulado, pugnando o Ministério Público pela concessão da tutela antecipada, a fim de que seja determinada:

1. A suspensão imediata das atividades das categorias de base do clube (infantil e juvenil) em razão das graves inadequações já relatadas;

2. A exibição em Juízo de todos os documentos pertinentes a todos os adolescentes atualmente alojados no Centro de Treinamento do Flamengo ("Ninho do Urubu");

3. A interdição dos alojamentos destinados aos atletas adolescentes até a regularização total das condições ofertadas pelo Réu, em conformidade com os pedidos formulados ao final da presente Ação Civil Pública;

MP-RJ pediu interdição há quatro anos — Foto: Reprodução

Já o relatório de fiscalização feito em abril de 2016, atestou que o clube procurou atender às solicitações feitas pelo MP. O documento não aborda questões de segurança. Sobre os armários, há o trecho, que também cita contêineres:

"Foram adquiridos 45 armários individuais estreitos, medindo cerca de 2,00 metros de altura, de uma só porta com chave. As chaves são numeradas e, em cada um dos armários, há uma etiqueta com o nome do atleta. Na residência, os armários puderam ser acomodados dentro dos quartos. No contêiner alguns deles ficaram no corredor".

O relatório do Sineate é um dos documentos que integrarão o material a ser entregue pelo Flamengo ao Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MP-RJ), que fez a exigência após vistoria realizada na manhã de terça-feira na instalação em Vargem Grande, na Zona Oeste do Rio. Ele está assinado por Sandra Selem Kamel e Edinilson de Assis Vieira. A petição do MP-RJ de 2015 é assinada pela promotora Rosana Barbosa Cipriano Simão.

Conclusão do relatório do Sineate feito em abril de 2016 — Foto: Reprodução

Consultado, o Flamengo somente informou que tem ciência do relatório. Na mira das autoridades depois da tragédia por falhas na documentação, como falta de certificado dos Bombeiros e alvará de funcionamento, o clube vem adotando o silêncio na maior parte do tempo - nenhuma entrevista foi concedida, com o clube se comunicando apenas através de declarações e notas. O Flamengo diz que tem se concentrado em tomar medidas em prol das famílias das vítimas.

O texto do relatório aponta soluções do clube para diversas questões apontadas pelo MP-RJ. De falta de autorização dos pais para permanência dos menores no CT a problemas em banheiros, falta de monitores e psicólogos e outras questões.

E a conclusão é de que as providências tomadas pelo clube foram satisfatórias. Ao dar seu parecer final, os fiscais do Sineate argumentam:

"As instalações, já descritas no relatório anterior, são boas e confortáveis. Encontravam-se em condições satisfatórias de higiene, conservação e organização.

A despensa estava bem abastecida.

Como nas demais inspeções, observamos o ambiente calmo, os jovens com ótima aparência e bem integrados.

O Sineate realizou várias visitas ao CT, cujos relatórios encontram-se nos presentes autos, e melhorias vêm sempre sendo observadas. A equipe se mostra muito receptiva às nossas orientações.

Diante do exposto, consideramos, s.m.j., que o clube, ao longo de nossas diversas inspeções, vem atendendo a contento às sugestões por nós apresentadas".

Apesar de não abordar a segurança das instalações, alguns comentários do relatório até extrapolam as quatro linhas e observam um jogo diferente, como este:

"Os jovens são bastante assediados pelas meninas em razão de integrarem a equipe do Flamengo, o que os deixa muito envaidecidos".

A dedicação dos garotos também é destacada:

"Os calendários são ininterruptos. Como já relatado pelo Sineate, os meninos são muito disciplinados e focados nos treinos, nas partidas e na formação profissional. Sabem que mesmo que não sejam aproveitados pelo Flamengo, há grandes chances de serem abraçados por outros clubes".



Com G1

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