'Vou me cuidar, pai. Te amo', disse um dos mortos no RJ que se perdeu no mundo do crime.

Megaoperação policial que deixou mais de 120 mortos foi a mais letal da história do Rio. 


 Quarta-feira, 29 de outubro de 2025 

Em meio à fila formada por dezenas de corpos estendidos em frente a uma creche na Vila Cruzeiro, no Complexo da Penha, Zona Norte do Rio, um avô — que criou o neto como filho — contou que não conseguiu ver o cadáver de Jean Alex Santos Campos, o Café, de 17 anos, na manhã desta quarta-feira (29), pois já tinha sido removido pelo rabecão. O rapaz foi um dos mais de 120 mortos na megaoperação realizada pelas polícias Civil e Militar na Penha e no Alemão, a mais letal da história do estado, realizada na terça.

Aos 63 anos, o homem, que preferiu manter o anonimato, contou que o filho sempre foi bom instrumentista e jogava bola.

— Mas dentro da comunidade, a gente acaba perdendo para isso aí (aponta para a fila de corpos). Você perde o filho duas vezes: uma quando ele já não consegue mais te escutar (e entra para o crime) e depois quando morre — desabafou, emocionado.

Segundo o homem, ele chegou a enfartar recentemente , por causa dos "problemas" do filho, o que o afastou do trabalho.

— Falei com ele a última vez às 4h de ontem. Disse: "vou me cuidar pai, te amo muito" e mandou um coração. Depois não falou mais nada. Um amigo dele o viu sendo preso. Fomos na cidade da polícia ontem, mas o policial informou para a gente voltar hoje. E depois encontramos o corpo dele na mata — completou.

Uma mulher, que também preferiu não se identificar, contou que não é parente de nenhum morto, mas que foi prestar solidariedade e ajudar amigos. A cena de corpos é algo que nunca viu igual em sua vida, nos 37 anos em que mora no Complexo da Penha.

— Não tem como não se compadecer. A gente quer mostrar a realidade que vivemos aqui. Tem morto com sinal de tortura. Três sem cabeça, outros com facadas, sem dedos. Só faço uma pergunta, para que o governador responda: o que é o certo pra ele? Na minha visão, isso não é certo.

Famílias vão ao IML

Parentes de mortos na operação caminharam pela calçada em frente ao Instituto Médico-Legal (IML) Afrânio Peixoto, no Centro do Rio, na tarde desta quarta-feira (29) para dar início à documentação e poder reconhecer os corpos das vítimas.

Beatriz Nolasco foi até o IML depois de saber que o sobrinho, Yago Ravel Rodrigues, de 19 anos, estava entre as vítimas da megaoperação nos complexos da Penha e do Alemão. O corpo dele foi encontrado na mata, decapitado, e a cabeça, sobre uma árvore.

Revoltada, Beatriz se exaltou na porta do Detran, onde familiares preenchiam documentos para a liberação dos corpos. Segundo ela, Yago não tinha passagens pela polícia.

— Meu sobrinho não tinha um tiro no corpo. Arrancaram a cabeça dele e deixaram na mata. Isso foi uma chacina! — disse.

Outro caso é o de uma moradora de Arraial do Cabo, na Região dos Lagos, que relata ter visto o corpo do pai de sua filha de 1 ano e 5 meses estirado no chão da praça no Complexo da Penha. Segundo ela, o cadáver tinha uma perfuração no peito, com machucados grandes na cabeça e numa das pernas.

— Disseram que o corpo pode ser liberado amanhã ou até depois — relatou.

A mulher afirmou que o ex-marido era envolvido com o Comando Vermelho.

Retirada de corpos

Desde as 21h desta terça, um grupo composto por voluntários e parentes de mortos na megaoperação está dedicado remover os corpos da Vacaria, uma área de mata no alto do Complexo da Penha, e a posicioná-los na chamada Praça do Inter.

Os cadáveres estão sendo levados para os IMLs do Centro, de Campo Grande e de Niterói. Parentes dos mortos estão sendo avisados que, por causa do grande número, a liberação dos corpos será demorada.


Nenhum comentário