E-mail de subprocurador que investiga Moro a petista acirra ânimos no TCU

Mensagem foi enviada para uma ex-ministra investigada na Operação Lava-Jato 


 Sexta-feira, 11 de fevereiro de 2022 

A mensagem abaixo foi encontrada nos computadores do Palácio do Planalto durante uma investigação da Polícia Federal sobre tráfico de influência que envolveria autoridades do governo Lula (PT). Nela, o procurador Lucas Furtado, do Tribunal de Contas da União (TCU), encaminha a Erenice Guerra, então consultora jurídica do Ministério das Minas e Energia (MME), o texto de uma representação que ele pretendia impetrar contra o governo. O procurador indaga a assessora sobre a “conveniência” da ação, coloca-se à disposição para alterar o texto, caso ela considerasse isso necessário, incluindo ou excluindo o que fosse de seu interesse — procedimento estranho e absolutamente anormal. O e-mail, enviado em setembro de 2004 e anexado num processo criminal que tramitou na Justiça Federal em Brasília, deve inflamar ainda mais um controverso e virulento embate que há meses vem sendo travado em alguns gabinetes do TCU. 

Lucas Furtado está na ponta de um cabo de guerra que, aos poucos, vai assumindo forma de disputa política. É dele o pedido de abertura de processo para investigar o presidenciável Sergio Moro por um suposto conflito de interesses no período em que o ex-juiz trabalhou para a consultoria Alvarez & Marsal, depois de deixar o cargo de ministro da Justiça do governo Bolsonaro. Também partiu do procurador requisições para que a empresa informasse detalhes do contrato e o valor dos honorários pagos ao ex-magistrado. Após receber as informações, Furtado pediu o bloqueio dos bens de Sergio Moro. Na outra ponta do cabo de guerra está o também procurador Júlio Marcelo de Oliveira, responsável pelo processo, que considera a investigação iniciada a pedido de Furtado como estranha e indevida e sugere que o colega estaria agindo por motivação política. Furtado, por sua vez, pediu o afastamento de Júlio Marcelo do caso, argumentando que ele é amigo de Sergio Moro e, portanto, não seria imparcial. 

A mensagem promete acirrar ainda mais esse debate no tribunal. Braço direito da então ministra Dilma Rousseff, Erenice Guerra chegou a chefiar a Casa Civil no governo Lula por alguns meses, antes de ser abatida por denúncias de tráfico de influência. Ela também teve o nome envolvido na Lava-Jato por delatores que a acusaram de receber dinheiro de empreiteiras em contrapartida a contratos federais na área de energia. A proximidade do procurador com Erenice é conhecida entre os servidores mais graduados do TCU. Na época, conta um deles reservadamente, Furtado buscava apoio político a uma eventual indicação de seu nome a uma vaga de ministro da Corte — prática comum e que, em princípio, nada tem de ilegal. O e-mail tratava do contingenciamento de recursos da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e seria parte dessa estratégia para angariar a simpatia dos figurões petistas. “Seja absolutamente sincera quanto à necessidade ou conveniência de ser encaminhada a presente representação e fique à vontade para fazer qualquer sugestão de nova redação para o texto, seja para incluir nova redação, seja para excluir partes dele”, ofereceu o procurador. Não se sabe se Erenice propôs alguma alteração, mas, no fim, o TCU considerou regular o contingenciamento dos recursos, decisão que atendia aos interesses do governo.

Numa campanha presidencial, o jogo dos bastidores em Brasília fica exponencialmente mais ácido. De um lado e do outro, simpatizantes acabam tentando atrapalhar o adversário e ajudar o grupo mais próximo dentro das suas esferas de atuação. Neste ano, esse xadrez está ainda mais evidente. Pela sua trajetória e pelos limites que cruzou durante o caminho, Moro tem contra si uma poderosa ala que não gostaria de vê-lo comandando o país (e ela naturalmente se movimenta para isso). Da mesma forma, o então juiz tomou decisões com interesses específicos em algumas situações — os exemplos mais clássicos são o vazamento de diálogos para impedir a posse de Lula como ministro de Dilma Rousseff e a divulgação da furada delação de Antonio Palocci às vésperas da eleição. Ou seja: Moro mostrou que joga e sabe jogar. No caso da investigação do TCU, agora na condição de vidraça, elle de fato tem perdido pontos importantes em sua imagem (talvez a estagnação nas pesquisas seja um dos reflexos disso). A suspeita no TCU é de que ele teria levado informações confidenciais da Lava-Jato para municiar sua contratante na iniciativa privada. Por enquanto, não existem provas disso. 

Procurado sobre o polêmico e-mail, o hoje subprocurador Lucas Furtado disse a VEJA que conhece Erenice Guerra, mas nunca a consultou previamente sobre representações que impetrou no TCU. Ele também garantiu não ter nenhuma relação com o PT. Confrontado depois com a mensagem, Furtado ponderou que não se lembrou do episódio em razão de um problema de saúde que sofreu há anos, mas que seu objetivo, ao consultar a ex-ministra, era apenas “colher a opinião de quem acompanhava o processo”. Já Erenice declarou que mantinha contato com técnicos do TCU como parte de suas atribuições no governo, mas que “nunca” recebeu nenhuma consulta do procurador e muito menos o orientou a como proceder no tribunal. Júlio Marcelo, por sua vez, garante que não existe qualquer laço de amizade entre ele e Sergio Moro e provoca: “Lucas Furtado é autor de centenas de representações no TCU e respeita a regra do procurador natural em quase todas elas. As exceções são esses procedimentos que envolvem pessoas ligadas à Lava-Jato”. O jogo, como se vê, ainda está longe do fim. 



 DigoresteNews/Veja 

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