Arrependido, dentista votou em Bolsonaro e perdeu o pai por Covid-19

Votei no Bolsonaro, mas declarações dele beiram a irresponsabilidade



O dentista Guilherme Rolim, de 36 anos, 
votou em Jair Bolsonaro no segundo 
turno das eleições de 2018. 

"Antes, eu votava no PT. Mas não voto mais", explica, 
ao justificar o motivo de não ter apoiado 
candidato petista Fernando Haddad.


O dentista Guilherme Rolim, de 36 anos, votou em Jair Bolsonaro no segundo turno das eleições de 2018. "Antes, eu votava no PT. Mas não voto mais", explica, ao justificar o motivo de não ter apoiado o candidato petista Fernando Haddad. 

"Votei na mudança. No primeiro turno escolhi o (João) Amoêdo (do Partido Novo). Depois, por falta de opção, votei no Bolsonaro", diz à BBC News Brasil.

Ele afirma que não se arrepende e classifica o voto como um "mal necessário". Porém, declara estar extremamente decepcionado com a gestão de Bolsonaro. "A mudança era importante, mas o presidente é muito despreparado.

" Nos últimos dias, Guilherme relata ter ficado indignado com a postura de Bolsonaro no combate ao novo coronavírus. O motivo mais recente para a revolta do dentista é a declaração dada pelo presidente na noite da última terça-feira (28). 

"E daí? Lamento. Quer que eu faça o quê? Eu sou Messias, mas não faço milagre", disse Bolsonaro a jornalistas, ao comentar sobre o número de mortos pelo novo coronavírus no Brasil. A declaração causou revolta em diversas pessoas, principalmente aquelas que perderam parentes em decorrência do vírus. 

Guilherme perdeu o pai em 1º de abril, por complicações causadas pela covid-19, a doença causada novo coronavírus. Quando viu a declaração de Bolsonaro, o dentista se recordou das dificuldades que o pai enfrentou pouco antes de morrer. 

"O Bolsonaro é um cara inconsequente. Essa declaração beira a irresponsabilidade e é um desserviço. O presidente está brincando com uma coisa muito séria", diz o dentista. 

"Como filho que perdeu o pai para o vírus, temo as consequências das coisas que o presidente fala. Talvez ele diga isso porque não perdeu ninguém muito próximo para o vírus, não sentiu como isso causa uma dor muito grande" acrescenta.


'E daí?' 

A declaração do presidente foi dada ao ser questionado sobre o fato de que os números de mortos pelo novo coronavírus no Brasil ultrapassarem os registros da China, cujas autoridades afirmam que foram registradas 4.637 mortes desde 11 de janeiro — quando foi confirmado o primeiro óbito em decorrência do vírus. 

Até hoje, segundo o Ministério da Saúde, 5.901 pessoas morreram no Brasil em decorrência do Sars-Cov-2, nome oficial do novo coronavírus. 

Ainda durante a coletiva da noite de terça-feira, Bolsonaro tentou mudar o tom da declaração, ao descobrir que a entrevista estava sendo transmitida ao vivo. 

"Lamento a situação que nós atravessamos com o vírus. Nos solidarizamos com as famílias que perderam seus entes queridos, que a grande parte eram pessoas idosas, mas é a vida. Amanhã vou eu. Logicamente que a gente quer, se um dia morrer, ter uma morte digna, né? E deixar uma boa história para trás", afirmou.

Na manhã de ontem, o presidente voltou ao assunto e justificou que a responsabilidade das mortes registradas pelo novo coronavírus é dos governadores e prefeitos. 

"Questão de mortes, a gente lamenta profundamente. Sabia que ia acontecer. Agora, quem tomou todas as medidas restritivas foram governadores e prefeitos", disse. Ele argumentou que o Supremo Tribunal Federal (STF) definiu que governadores e prefeitos possuem autonomia para decidir as medidas a serem tomadas no enfrentamento ao novo coronavírus. 

Para Guilherme, Bolsonaro tenta se eximir da responsabilidade na condução dos casos do novo coronavírus no país. O dentista considera que o presidente tem uma postura irresponsável 

"Ele deveria ter seguido ao lado da Ciência e de médicos como o Mandetta (ex-ministro da Saúde). Ele deveria seguir uma linha de pensamento para que as pessoas fiquem reclusas, para evitar que os casos aumentem cada vez mais. Mas ele não faz isso", declara. 


Morte rápida 

O pai de Guilherme, o também dentista Osmar de Castro, morreu aos 62 anos. Ele começou a ter sintomas, como tosse e febre, por volta de 26 de março. Dias depois a situação piorou e Guilherme levou o pai ao hospital. "Ele estava muito fraco e com muitos sintomas", diz o filho. 

O idoso foi internado e morreu pouco mais de um dia depois. "Ele estava com saturação baixa de oxigênio e falta de ar. O quadro dele piorou muito rápido", lamenta. Os familiares acreditam que Osmar pode ter contraído o vírus ao atender pacientes em seu consultório ou ao fazer compras no supermercado. 

"O meu pai não tinha nenhum problema prévio de saúde. Ele fazia caminhada e academia. Ainda é um vírus muito incerto e os especialistas estão descobrindo mais sobre ele aos poucos. Por isso é importante termos muitos cuidados", diz Guilherme, que também teve a covid-19, ficou isolado por mais de duas semanas e se recuperou. 


A conduta de Bolsonaro contra o coronavírus 

Ao se tornar parte das estatísticas do novo coronavírus, Guilherme comenta que passou a ficar ainda mais indignado com as declarações de Bolsonaro sobre a pandemia.

Ele considera que as falas do presidente soam como ofensas a familiares que perderam seus entes queridos e a profissionais de saúde que atuam no combate ao Sars-Cov-2. "Ele começou a falar besteiras desde o primeiro discurso sobre o coronavírus, quando disse que era uma gripezinha. Com essas declarações, demonstra falta de compaixão ao próximo", afirma.

O dentista afirma querer a retomada da economia no país e dos empregos, como Bolsonaro costuma justificar no combate à pandemia. Porém, Guilherme considera que ainda não é o momento para focar nessas questões. 

"Espero que o país tenha um crescimento econômico dentro do possível, mas a prioridade neste momento deve ser o enfrentamento ao coronavírus", diz. 

Guilherme afirma que a postura de Bolsonaro não foi exatamente uma surpresa. "Ele está sendo ele", diz, em relação a declarações polêmicas dadas pelo presidente em anos anteriores. "Mas em uma situação tão delicada como a que estamos vivendo, é inadmissível essa conduta", pontua.

Dentista Osmar de Castro ao lado da esposa: ele faleceu aos 62 anos, em decorrência do 
novo coronavírus Imagem: Arquivo pessoal 

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