'Sou feirante: era o que eu podia dar, mas ele não quis', desabafa pai ao reconhecer corpo do filho no RJ

Após mais de um dia de buscas, o pai encontrou o filho entre os 121 mortos e relatou a dor de quem tentou, por anos, convencer o jovem a deixar o crime


 Sexta-feira, 31 de outubro de 2025 

Cláudio Lima, de 45 anos, se apoia nas grades que cercam o Instituto Médico-Legal (IML) na esperança de liberar o corpo do filho, encontrado morto, com o rosto desfigurado, após mais de 24 horas de buscas. A procura por Hércules Célio Lima, de 23 anos, começou na madrugada de quarta-feira, após o fim da megaoperação que deixou 121 mortos nos complexos da Penha e do Alemão, na Zona Norte do Rio. A busca terminou quando o feirante recebeu, pelo WhatsApp, um vídeo em que apareciam alguns corpos sem vida, entre eles, o de seu único filho.

Quando soube da morte de Hércules, Cláudio estava na Vacaria, uma região de mata localizada entre os complexos da Penha e do Alemão, que se tornou conhecida por ser o principal ponto de encontro de corpos após a Operação Contenção. Ainda eram as primeiras horas da manhã de quinta-feira quando, em um dos grupos de WhatsApp, ele abriu o vídeo que mudaria sua vida para sempre.

— Na procura, você vai vendo todos esses vídeos e imagens que circulam nas redes. Dessa vez, em um deles que mostrava alguns corpos no chão, estava o meu filho. Mesmo do jeito que estava, é o tipo de coisa que você não erra. Era ele, contou Cláudio.

Ao se recompor, ligou para a irmã e pediu ajuda para ir até o IML, no Centro do Rio, a fim de identificar e liberar o corpo do jovem.

— Minha irmã está lá dentro agora, enquanto espero um pouco por aqui. Não é fácil, estou vindo direto da mata. É difícil até falar, disse o feirante, emocionado.

Morador da Vila Cruzeiro, uma das comunidades que formam o Complexo do Alemão, Cláudio criou o filho com o apoio da mãe. Feirante, tentou fazer com que Hércules trabalhasse com ele no sacolão de onde tira o sustento, mas não teve sucesso.

Com o olhar distante e a fala marcada por longas pausas, Cláudio lembra que o filho costumava ser companheiro e tranquilo, mas, por volta dos 18 anos, começou a demonstrar revolta com a vida. Foi então que se aproximou de pessoas fora do círculo familiar e acabou entrando para o crime organizado.

Foram cinco anos de tentativa, 1.826 dias de apelos e conversas para tentar convencê-lo a mudar de caminho. A luta terminou nesta semana.

— Eu sou feirante, o que eu tinha pra oferecer pra ele era isso. Ele não quis. Já era um homem, maior de idade, e respondia pelas próprias escolhas. Não entendo o porquê desse caminho. Pai nenhum quer ver o filho seguir assim. Mas era meu filho, era eu e ele. Agora, faço o quê? desabafou.

Cláudio contou ainda que, embora nos últimos tempos não morassem juntos, Hércules vivia com a avó, pai e filho continuavam próximos e se falavam com frequência.

Agora, os momentos entre os dois se tornaram lembrança. Entre a tristeza e a solidão, Cláudio ainda encontra forças para um breve sorriso ao lembrar da paixão do filho pelo Fluminense. Hércules vestia a camisa tricolor das Laranjeiras quando foi encontrado sem vida.

O corpo de Hércules foi liberado para o enterro no fim da quinta-feira.

Operação Contenção

A ação, realizada pelas polícias Civil e Militar, deixou 121 mortos confirmados, sendo quatro policiais e 115 suspeitos de envolvimento com o tráfico, segundo as corporações. Outros 113 presos e 10 adolescentes apreendidos também foram contabilizados, além da apreensão de 118 armas, entre elas 91 fuzis.

Considerada a mais letal da história do país, a Operação Contenção teve como alvo criminosos ligados ao Comando Vermelho (CV). Segundo o secretário de Polícia Civil do Rio, Felipe Curi, o número de mortos ainda pode aumentar, já que os corpos são registrados conforme dão entrada no IML ou em unidades hospitalares.


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