Cobertura de Templo Católico com interior revestido em ouro cai e mata turista de 26 anos
Falta de manutenção, vistoria pendente e teto rompido: entenda o que pode ter causado desabamento de igreja em Salvador
Quinta-feira, 06 de fevereiro de 2025
A turista Giulia Panchoni Righetto morreu e cinco pessoas tiveram ferimentos leves com o desabamento de parte do teto da Igreja de São Francisco de Assis, uma das mais importantes expressões do Barroco brasileiro, no Centro Histórico de Salvador. O prédio tem seu interior revestido em ouro e foi erigido entre os séculos XVII e XVIII. Conhecida como “Igreja de Ouro”, é considerada uma das Sete Maravilhas de Origem Portuguesa no mundo.
Com 26 anos, Giulia era de Ribeirão Preto (SP) e visitava a igreja com o namorado e um casal de amigos. Formada em Comunicação Social na Escola Superior de Propaganda e Marketing de São Paulo, trabalhava em uma multinacional americana. Nas redes sociais, costumava a compartilhar fotos de viagens a outros países do mundo.
O Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa da Polícia Civil da Bahia irá investigar o acidente. A Polícia Federal enviou peritos à igreja para colher elementos que permitam identificar as causas do desabamento, que deixou a área da nave onde os fieis assistem às missas cheia de escombros.
— Todo o espaço central da igreja cedeu. Possivelmente, alguma parte dessa cobertura se rompeu e, com o peso desse espaço superior do teto, a madeira veio abaixo — afirmou Sósthenes Macedo, coordenador da Defesa Civil de Salvador.
Vistoria pedida
De acordo com o presidente do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), Leandro Grass, a administração da igreja havia pedido na segunda-feira uma vistoria por problemas no teto. A visita dos técnicos, segundo Grass, estava agendada para hoje e a solicitação foi feita pelo protocolo normal do instituto — caminho que não indicava urgência.
— Se ele (o frade responsável pela igreja) tivesse de fato uma urgência, certamente teria ligado para o superintendente que tem o telefone dele — disse Grass ao g1. — Ele detectou que o forro teve uma dilatação e nos acionou.
O Iphan afirmou em nota que o imóvel é da Ordem Primeira de São Francisco, responsável direta pela gestão e manutenção da edificação. “O Iphan tem atuado na preservação do bem, com ações como o restauro dos painéis de azulejaria portuguesa, concluído em maio de 2023, e a elaboração do projeto de restauração do edifício, atualmente em andamento”, diz o instituto.
Em 2023, um dos pátios da igreja já havia sido parcialmente fechado devido ao risco da queda de um pináculo (estrutura pontiaguda que marca a extremidade de um edifício). A estrutura foi removida, segundo o Iphan. Mas no mesmo ano, uma reportagem do g1 identificou que o local ainda estava com pinturas e teto desgastados, além de pilastras sem reboco e piso desnivelado em vários pontos.
Na avaliação do professor da escola de Belas Artes da Universidade Federal da Bahia (UFBA), Luiz Alberto de Freire, “até demorou muito” para a tragédia acontecer. Freire alerta que o patrimônio da Bahia está “seriamente comprometido” com a falta de manutenção.
Entre as edificações em risco, o professor citou o Convento de Santa Tereza, de 1686, que é a sede do Museu de Arte Sacra da UFBA, com a maior coleção de arte sacra do país; o Convento de Santo Antônio do Paraguaçu, de 1686; e o Convento de Nossa Senhora da Palma, de 1670.
— Com o tempo, a gente vai assistir muitos casos como esse. A Igreja Católica tem uma parcela grande de responsabilidade nisso. Ela que tutela os prédios e deveria realizar uma conservação preventiva. Mas não é fácil, porque exige mão de obra especializada, que tem desaparecido. O Iphan e o Ipac (Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia) também têm responsabilidade. Eles deveriam formar pessoas capazes de realizar esse trabalho e ajudar essas manutenções — criticou.
A Igreja de São Francisco foi tombada pelo Iphan em 1938 e é um dos pontos turísticos mais procurados no Pelourinho, como a Catedral Basílica (antigos igreja e colégio da Companhia de Jesus) e a Igreja da Ordem Terceira de São Francisco, que fica ao lado.
A igreja franciscana se destaca pela decoração interna barroca com revestimento dourado e a azulejaria, atração do pátio do Convento de Santo Antônio, anexo ao templo. A parte do teto que cedeu era caracterizada pela divisão em figuras geométricas,
Segundo Luiz Alberto Freire, o monumento “realizou o ideal da igreja barroca” por ser “completamente adornada e dourada”.
— Ela é a maior igreja no Brasil com esse tratamento, completamente ornada — explica.
Talha dourada
O interior da igreja é caracterizado por talhas de madeira moldadas e cobertas por ouro em pó, que deu origem de seu apelido. Ela tem ainda elementos decorativos característicos do barroco, como pelicanos, flores e anjos. A igreja apresenta também ornamentos de outros estilos além do barroco, como o maneirismo característico da Contra-Reforma do século XVI (as primeiras obras para a igreja começaram em 1587), do rococó e do neoclássico.
Além de decorarem o pátio do convento, os azulejos também estão nas paredes que não estão cobertas pela talha. Um destaque são os painéis que contam a vida de São Francisco, localizados no no fundo da igreja e na capela-mor. Estes últimos são de autoria de Bartolomeu Antunes, artista português que os mandou de Lisboa em 1737.
Nas redes sociais, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou que soube “com tristeza e pesar” do desabamento, expressou solidariedade às vitimas e disse que o governo federal está “à disposição das autoridades locais para auxiliar neste momento tão difícil, bem como na reconstrução desse lugar sagrado para milhares de brasileiros”.
O governador da Bahia, Jerônimo Rodrigues (PT), lamentou a tragédia “profundamente” o desabamento e se solidarizou com as vítimas e seus familiares. Também nas redes, o prefeito de Salvador, Bruno Reis (União), disse que estar “totalmente à disposição para oferecer o suporte necessário às vítimas e apoiar a recuperação desse patrimônio tombado pelo Iphan”.
(Digoreste News com O Globo via g1)
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