Governo Lula libera R$ 465 milhões em emendas para alvo do centrão.

Deste valor, R$ 107 milhões irão para Alagoas, reduto de Arthur Lira.


 Terça-feira, 04 de julho de 2023 

Às vésperas de votações importantes para o presidente Lula (PT) na Câmara dos Deputados, o governo liberou R$ 465 milhões da verba do Ministério da Saúde, alvo de cobiça do centrão. Deste valor, R$ 107 milhões irão para Alagoas, estado mais beneficiado e reduto de Arthur Lira (PP-AL), presidente da Casa.

A pasta tem R$ 3 bilhões herdados pelo governo após o fim das emendas de relator, principal moeda de troca nas negociações entre Jair Bolsonaro (PL) e os parlamentares.

O ministério, comandado por Nísia Trindade, era foco de reclamações de cardeais do Congresso por, até a semana passada, não ter liberado nada desse dinheiro, que, apesar de não ter o carimbo de emenda parlamentar, tem sido usado por Lula na articulação política.

Segundo articuladores do governo, a fatia destravada deve chegar a R$ 600 milhões até o fim da semana, quando a Câmara pretende votar três projetos econômicos considerados essenciais para Lula, entre eles a reforma tributária.

As negociações em torno dos bilhões de reais herdados pelo chefe do Executivo após a extinção das emendas de relator beneficiam aliados do Palácio do Planalto, de Lira e do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG).

Parlamentares próximos à cúpula dos dois Poderes conseguem enviar mais dinheiro para financiar projetos e obras em suas bases eleitorais.

Nísia começou a abrir o cofre de R$ 3 bilhões após pressão do centrão.

Ela inclusive chegou a se reunir com Lira em 21 de junho. Poucos dias antes do encontro, integrantes da SRI (Secretaria de Relações Institucionais), responsável pela relação com o Congresso, foram ao Ministério da Saúde para organizar e priorizar os pedidos de prefeituras para receber parte do dinheiro.

Dos R$ 465 milhões autorizados no último fim de semana, a pasta prevê o repasse de R$ 107 milhões para Alagoas, o maior beneficiado.

Além de ser o estado de Lira, Alagoas é reduto eleitoral do líder do MDB na Câmara, Isnaldo Bulhões Jr.

Ele foi relator da MP (medida provisória) dos Ministérios, que tratava da estrutura do governo Lula. O Planalto passou sufoco para conseguir aprovar o texto em meio a revolta do centrão com a demora na liberação de cargos e emendas.

Pessoas envolvidas nas negociações políticas dizem que a elevada parcela para Alagoas é explicada pelo peso do presidente da Câmara e de Isnaldo nas negociações políticas, além do envio de dinheiro para projetos de novatos, como Alfredo Gaspar (União Brasil), no estado.

Em fevereiro, Lula fez um acordo com Lira para que parte da verba de ministérios seja usada para bancar emendas de deputados novatos que ajudaram a reeleger o presidente da Câmara.

Lula herdou R$ 9,85 bilhões das extintas emendas de relator, a pasta de Nísia ficou com a maior fatia do dinheiro. Essa verba foi alocada como recurso de ministérios, mas ganhou uma rubrica específica para facilitar que o Planalto opere e monitore os repasses feitos por intermédio de parlamentares ou grupos políticos.

Os municípios mais beneficiados com os recursos já autorizados foram São Gonçalo (RJ), com R$ 36,2 milhões repassados, e Maceió (AL), que recebeu R$ 25 milhões.

Depois de Alagoas, o segundo que mais recebeu recursos é o Rio de Janeiro. Os repasses para o estado atendem a pleitos de petistas, como o deputado Washington Quaquá, vice-presidente nacional do partido, mas também há liberação para o reduto de deputados do centrão, como o líder do PL, Altineu Cortes.

Altineu, apesar de ser do PL, de Bolsonaro, negocia cargos de terceiro escalão e emendas para o Rio de Janeiro com o governo Lula. São Gonçalo (RJ) é a cidade mais beneficiada pelas liberações. O prefeito do município, Capitão Nelson, é do PL e aliado do deputado.

O PL tem a maior bancada na Câmara, com 99 deputados. Em projetos de caráter econômico, como o novo arcabouço fiscal, o governo tem contado com um potencial de 30 votos da sigla.

Os repasses autorizados por Nísia não representam o início do destravamento da verba herdada das emendas de relator –os ministérios da Agricultura e das Cidades já tinham liberado recursos, mas atendendo à base eleitoral dos ministros.

Os atos do órgão, por outro lado, marcam uma nova fase da articulação política do governo Lula. A destinação do dinheiro foi intermediada por assessores de Lira. Isso significa a retomada da influência do presidente da Câmara sobre a quantia de R$ 9,9 bilhões.

No fim de junho, Lira ligou para o ministro Alexandre Padilha (Relações Institucionais) após o centrão se irritar ao saber que o governo usou a verba das extintas emendas de relator para destinar dinheiro para as bases eleitorais de ministros.

Há cerca de um mês, o grupo de parlamentares liderados por Lira passou a transformar a pasta da Saúde em alvo porque a equipe de Nísia criou regras para ampliar o controle na liberação de emendas parlamentares.

Líder da União Brasil e um dos mais próximos a Lira, Elmar Nascimento (BA) afirma que prefeitos querem usar o dinheiro para custear ações de saúde já existentes no município, incluindo pagamento de pessoal.

A pasta, por seu lado, deseja estimular transferências para investimentos como construção de unidades de atendimento, compra de equipamentos médicos e renovação da frota do Samu.

Congressistas afirmam ainda que, além do problema nas prioridades definidas pela Saúde, o processo de cadastro e seleção de projetos atrasa a liberação do dinheiro.

O ministério havia aberto prazo até 30 de junho para estados e municípios apresentarem propostas de uso dos R$ 3 bilhões. Mesmo antes do fim da seleção, a pasta de Nísia Trindade autorizou os primeiros empenhos.

Na gestão Bolsonaro não havia uma seleção de propostas para partilha desse tipo de emenda –a verba era distribuída por indicações feitas pelo relator do Orçamento, após acordos feitos entre a cúpula do Congresso e o Planalto.

Questionada, a Saúde não informou se o Planalto interferiu na seleção das propostas feitas por estados e municípios. Também não respondeu se aliados do governo serão priorizados.

O ministério afirma que mantém diálogo com o Congresso e gestores do SUS, "tendo a ministra da Saúde, Nísia Trindade, se reunido com 277 parlamentares, governadores, prefeitos e vários representantes de entidades filantrópicas desde o início da gestão".

Duas portarias publicadas pela Saúde no último dia 29 autorizaram as primeiras liberações da verba rebatizada após o fim das emendas de relator.

Em um dos textos, a Saúde deu aval para repassar R$ 355 milhões para o custeio da atenção especializada. O recurso foi repassado para estados e municípios cobrirem despesas de hospitais e ambulatórios.

Enquanto a segunda portaria permitiu o envio de mais R$ 108 milhões para financiamento da atenção primária em municípios. Esse recurso foi direcionado para custear equipes de saúde bucal, saúde da família, além de equipes multiprofissionais.


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