O perverso mito do sucesso individual

 ARTIGO 


 Quinta-feira, 22 de abril de 2021 

Quem não quer ser um milionário? O mito do esforço e sucesso individual que nos premia com status e riqueza povoa a nossa mente há tempos. Não faltam filmes, livros, youtubers, podcasters, influencers de toda sorte, que ensinam receitas infalíveis de como ficar rico. Ponha no google a palavra “milionário” e veja a infinidade de dicas e exemplos de vida.

Os mais velhos olhavam ricaços como Warren Buffett. Os, digamos, maduros olham os magos da tecnologia como Bill Gates, Steve Jobs, Jeff Bezos e Mark Zuckerberg. Os mais novos, claro, se inspiram em Felipe Neto, Neymar e Whindersson Nunes. Todos, homens, todos obstinados trabalhadores, com uma ideia ou talento original para o sucesso.

O mantra para alcançar o sucesso sozinho, o tal do self made man, todo mundo já escutou um tanto de vezes:

“Trabalhe enquanto eles dormem, estude enquanto eles se divertem, persista enquanto eles descansam, e então, viva o que eles sonham.”

Se temos exemplos de pessoas de sucesso que ficaram milionários ou bilionários, podemos ler suas biografias ou acompanhá-los no Instagram, o que aconteceu que ainda não ficamos ricos? Será estupidez, burrice, falta de talento? Ou há motivos mais óbvios, mas que não queremos ver?


Por que uns têm sucesso e outros não?

Essa pergunta foi respondida de forma brilhante pelo jornalista britânico Malcolm Gladwell, em 2008. Em seu livro Fora de série Outliers ele demonstra, usando inclusive sua mãe como exemplo, de que o sucesso, seja lá como você defina esse termo, depende basicamente de três fatores: capacidade, oportunidade e uma vantagem totalmente arbitrária.

A nossa capacidade, ou seja, o nosso talento e esforço individual, é um ingrediente. Mas, sozinho, não resolve nada.

Marina Silva não passou de seringalista no interior da Amazônia a candidata à presidência da República “apenas” por seu esforço individual e ela sempre reconheceu isso. Sua mãe e duas das irmãs morreram devido às condições insalubres de morar em palafitas. Ao contrair malária, Marina foi para Rio Branco, capital do Acre, para se tratar. Trabalhou como doméstica e se alfabetizou apenas aos 16 anos.

Do seu nascimento à adolescência, ela teve obstinação, mas também muita sorte, que outros parentes e milhões de outras “Marinas” não tiveram.

Se investigarmos a vida de muitos outros que “subiram” na vida, vamos ver o tanto que a sorte os acompanhou. Quem quiser, pode rever Dois filhos de Francisco e ver o sucesso de Zezé di Camargo e Luciano com outros olhos.


Vantagens arbitrárias facilitam o sucesso

É fácil perceber que não basta talento e obstinação. É preciso uma dose de sorte, como Bill Gates, o fundador da Microsoft já disse várias vezes. Um detalhe é que a sorte de Bill Gates não seria tão boa se ele não tivesse já nascido numa família rica. Se sua escola não fosse uma das primeiras a ter computadores. E se não morasse perto da faculdade para onde ele sempre fugia de madrugada para testar suas ideias e aprimorar seus conhecimentos.

Ser inteligente, ter boas ideias, estar no lugar certo e na hora certa e, ainda por cima, ter os meios necessários para criar, anos depois, o Windows não é algo fácil para outros que nasceram na mesma época que ele.

E nada disso aconteceu sozinho, precisou de muita ajuda e abusar da influência que a sua família pode proporcionar. O networking fica bem mais fácil quando seus colegas também são filhos de pessoas ricas.


Construindo a sorte

Mas, voltando ao livro de Malcolm Gladwell, ele encerra os exemplos analisados com a história de uma menina de 12 anos chamada Marita. Morando em um dos bairros mais pobres de Nova Iorque, ela e outras 100 mil estudantes da rede pública de ensino foram beneficiadas pela Kipp. Uma organização privada que implantou um novo método de educação sem grandes investimentos.

Voltadas para famílias latinas, afrodescendentes e abaixo da linha de pobreza, a Kipp aumentou a carga horária das aulas e garantiu refeições a todos que precisassem. Ou seja, a sorte foi até Marita e outras crianças.

Assim, puderam estar alimentadas e ter mais acesso à educação, diminuindo a desigualdade social e aumentando a chance de milhares de estudantes a terem sucesso na vida.

No Brasil, o sistema de cotas e algumas poucas escolas com regime integral fazem esse papel. Como resumiu o jornalista americano:

Marita necessita apenas de uma chance, porque as pessoas em seu mundo raramente obtêm até mesmo uma única oportunidade de sucesso na vida.

O sucesso não é, de forma alguma, um esforço individual. Sempre é resultado de várias conjunções e de muita ajuda. Seja de amigos, familiares, instituições públicas e privadas, sem fins lucrativos ou não.

Entender essa diferença é fundamental para entender as desigualdades e os passos necessários para uma sociedade mais justa.


 *André Alves é jornalista e especialista em Antropologia. 



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