Deputado Bolsonarista usava assessores para reformar casa e praticar "Rachadinha"

Depoimentos e vídeos apontam que funcionários do parlamentar ainda realizavam serviços de limpeza e cuidavam das filhas do casal


 Segunda-feira, 15 de fevereiro de 2021 


O deputado estadual do Rio Grande do Sul Ruy Irigaray (PSL) foi denunciado por utilizar funcionários do gabinete, em horário de expediente, para realizar atividades que não estão vinculadas ao trabalho como assessor. Entre elas, reformar a casa da sogra, localizada de frente para o Rio Guaíba, na Zona Sul de Porto Alegre, e cuidar as filhas do casal.

As declarações ao Ministério Público do Rio Grande do Sul foram feitas por Cristina Nebas, ex-servidora, e uma assessora, que não quis se identificar. O caso, que está em sigilo, será apurado pelo promotor de Justiça Flávio Duarte. Na terça-feira (9), as duas prestaram depoimento.

A reportagem produzida pela RBS TV foi apresentada no programa Fantástico, da Rede Globo, neste domingo (14). O deputado foi ouvido e respondeu às acusações.

"Ela [Cristina Nebas] se prontificou para fazer esse tipo de atividade. E outra coisa, ela recebeu por isso, tá? Inclusive, se eu não me engano, ela ganhava R$ 100 cada vez que ela pegava e levava as meninas, quando a minha esposa fez uma cirurgia", disse.

Em nota, o MP informou que "busca o esclarecimento de todo e qualquer fato, para que sejam tomadas as medidas legais cabíveis, caso haja a comprovação de ilícitos." (Leia nota completa abaixo)


De babá a operário

Uma série de vídeos, fotos e mensagens de WhatsApp mostram, ainda, que uma das mulheres trabalhou como babá e até empregada doméstica da família do parlamentar, enquanto deveria estar à serviço do gabinete.

Uma residência de 400m², avaliada em R$ 2 milhões, no Bairro Ipanema, na Capital, tem sido utilizada, desde abril do ano passado, como uma espécie de escritório do deputado. Em vez de trabalhar de suas casas, como orientou o parlamento, os servidores comissionados foram remanejados para o imóvel.

Conforme o relato da ex-assessora Cristina Nebas, a casa chegou a abrigar 15 servidores de Ruy Irigaray, que se dividiam entre realizar as tarefas do gabinete e executar uma série de serviços no imóvel, como troca de piso, reformas de banheiros e pinturas, como mostram os vídeos de celular gravados por Cristina.

Os salários dos servidores pagos com dinheiro público oscilam de R$ 2,7 mil até R$ 9 mil.

"Alguns assessores entraram para fazer exclusivamente a reforma da casa. Ele contrata pessoas pagas por nós, pra fazer esse tipo de trabalho. Enquanto nós deveríamos estar fazendo, todos os assessores, um trabalho para a sociedade gaúcha", diz Cristina.

Tudo foi filmado e fotografado pela ex-assessora com um celular. A autenticidade dos registros do aparelho, que revelam datas e horário das filmagens, bem como o mapa onde foram realizadas, foi atestada à reportagem pelo especialista em tecnologia Ronaldo Prass.

Cristina diz que ela e outros assessores também tinham que arrumar a casa, executar serviços de limpeza e até limpar as fezes deixadas pelo cão da família, como revelam as imagens.

"Ela chegava 7h30 da manhã e fazia toda a limpeza. Lavava, recolhia o cocô dos cachorros", contou ao MP a assessora.

Cristina Nebas, que ocupa cargo comissionado na Secretaria de Desenvolvimento Econômico e Turismo, por indicação de Ruy, também afirma que cuidava das duas filhas do político, que eram levadas para aula de inglês em Gravataí e partida de beach tênis, em Porto Alegre. Ela também acompanhava as meninas em passeios e idas a lanchonetes, tudo em horário de expediente. Ela recebia as orientações da esposa do deputado, Laura Irigaray, através de mensagens de WhatsApp, cuja autenticidade também foi aferida pela reportagem da RBS TV.

O aplicativo também era utilizado para prestar contas de cada atividade paralela que desempenhava. Pelas fotos e textos, Cristina mantinha o casal informado das rotinas da casa e dos roteiros das filhas. Até a arrumação das roupas no armário era informada.

"Passei mal ontem. Passei o dia em casa dormindo. Aquele tapete persa ali, que tá enrolado, pede pra abrir nesse corredor comprido", orientou Laura Irigaray, a esposa do deputado, em um áudio.

Em outra mensagem, ela sugere que um assessor, identificado como Pedro, leve o cão da família ao veterinário.

Pedro é um assessor que, na época, era contratado da Assembleia Legislativa do RS com salário de mais de R$ 8 mil e que aparece em várias fotos e vídeos realizando reformas da casa da sogra do parlamentar, em horário de expediente. Procurado pela reportagem, ele negou que tivesse trabalhado na residência.

O advogado José Luiz Blaszak, especialista em direito administrativo, vê nas práticas possível ato de improbidade administrativa e crimes contra a administração pública.


"O uso de pessoal do gabinete não pode jamais confundir-se com funções particulares,. Fazer serviços que são de cunho particular, isso jamais um funcionário de gabinete parlamentar poderá estar desempenhando", avalia.


Gabinete do ódio e rachadinhas

Mensagens trocadas entre Cristina e o casal Irigaray revelam a existência de um “gabinete do ódio” na casa da Avenida Guaíba.

Conforme a ex-assessora, havia mais de 50 telefones celulares - numa foto tirada por ela dá pra identificar 22 aparelhos - que eram utilizados para monitorar grupos de conversas e postar notícias falsas e acusações contra integrantes do próprio partido do deputado, o PSL. Trocas de mensagens entre ela, Ruy e o atual chefe de gabinete, Jean Mortaza, indicam que perfis falsos no Facebook foram criados para essa tarefa.

"O objetivo desses perfis era poder responder e questionar outros deputados sem que afetasse a imagem do deputado Rui Irigaray", diz Cristina.

Login e senha dos perfis eram repassados a Cristina pelo próprio deputado ou pelo chefe de gabinete, como mostram as mensagens a que a reportagem teve acesso, examinando o celular de Cristina.

Com essas informações, que aparecem nesses diálogos, a reportagem da RBS TV conseguiu acessar ambas as contas.

O registro de atividades de uma delas, aberta em nome de um homem chamado Adilson, mostra uma postagem com ataque ao deputado federal Bibo Nunes (PSL). Bibo recebeu da própria delatora os prints das mensagens e pediu abertura de investigação ao procurador-geral de Justiça Fabiano Dallazen.

"Crime contra a honra, calúnia, difamação. Eu não vou deixar assim. Ele vai para a barra dos tribunais. Pessoas desse nível, desse quilate, tem que ser banidas urgente", defende Bibo.

"Eu nunca solicitei para ela fazer nenhum tipo de ataque ao deputado Bibo Nunes. Isso é, com certeza, uma disputa política regional que existe aqui no estado do Rio Grande do Sul, clara, e não é de hoje", rebate Ruy Irigaray.

Além das postagens falsas, Cristina também afirma que no gabinete de Ruy Irigaray há um esquema de rachadinhas. Ela disse que não aceitou participar dos repasses, mas que outros colegas se submeteram à prática.

Sem saber que era gravada pela ex-servidora, um dos assessores afirma a ela que entrega ao deputado R$ 2 mil, de um total de R$ 6 mil que recebe no contracheque. E cita outro colega que também faria parte da caixinha.

Segundo ele, para não levantar suspeitas, os saques da conta eram feitos aos poucos.

"Ele propôs: 'nós temos que ver quanto vocês têm que me repassar desse valor'. E aí ele disse: 'o que que tu acha?' Disse: acho que tu está brincando", afirma.

O deputado negou que faça rachadinha no gabinete,

"Eu, graças a Deus, não faço essa prática aqui no meu gabinete e não tenho necessidade disso. E mesmo que tivesse, não faria", disse à reportagem.


Nota do MP

O Ministério Público do Rio Grande do Sul informa que, na data de 09 de fevereiro, duas pessoas compareceram à Promotoria Especializada Criminal de Porto Alegre onde, de forma espontânea, prestaram declarações em que noticiaram o que em tese pode se configurar como possíveis atos de improbidade administrativa, que importariam enriquecimento ilícito, causariam prejuízo ao erário e atentariam contra os princípios da Administração Pública pelo deputado Ruy Irigaray Junior e assessores parlamentares a ele vinculados.

O expediente, que está em sigilo, foi recebido posteriormente pela Procuradoria Geral de Justiça e encaminhado à Promotoria de Defesa do Patrimônio Público, que tem atribuição para investigar atos de improbidade administrativa.

Para a apuração pelo prisma penal, foi designado o promotor de Justiça Flávio Duarte, que realizou o atendimento inicial na Promotoria de Justiça Especializada Criminal de Porto Alegre, para acompanhamento do expediente, para o caso de eventual constatação de conduta tipificada como crime.

Dessa forma, o Ministério Público do Rio Grande do Sul busca o esclarecimento de todo e qualquer fato, para que sejam tomadas as medidas legais cabíveis, caso haja a comprovação de ilícitos.



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