Bolsonaro faz selfie com membro do PCC, acusado de lavar dinheiro para a facção

No evento beneficente em Santos, “braço direito” do traficante foragido André do Rap fotografou com o presidente


 Segunda-feira, 04 de janeiro de 2021 

O presidente Jair Bolsonaro se deixou fotografar ao lado de homem tido como um dos lugares-tenentes do Primeiro Comando da Capital (PCC), a mais temida, bem organizada e poderosa máfia brasileira. A selfie foi feita no dia 28 de dezembro no estádio do Santos Futebol Clube, durante um evento beneficente produzido anualmente por um ex-jogador do time da Baixada Santista.

A foto foi postada pelo próprio suspeito em suas redes sociais. Fredy Restrito, codinome do empresário Fredy da Silva Gonçalves Bento, é, segundo a Policia Civil paulista, “o responsável pela lavagem de dinheiro do PCC, sendo (sic) o braço direito do criminoso André do Rap”.

André do Rap, responsável pelo envio de toneladas de cocaína do Porto de Santos para a Europa, era (e ainda seria, segundo fontes policiais) um dos chefões do PCC. Preso em setembro de 2019 numa operação que envolveu mais de 30 policiais, ele foi solto graças à decisão do ministro Marco Aurélio, do Supremo Tribunal Federal, que seguiu um novo regramento sobre prisões preventivas. Munido de uma liminar, deixou o presídio de Presidente Venceslau pela porta da frente e desapareceu.

O inquérito instaurado contra Fredy, o empresário acusado de chefiar a lavanderia do PCC, começou de maneira fortuita, com uma investigação frugal para os padrões da Polícia Civil. Em 2017, um pequeno traficante conhecido como Baianinho foi preso portando uma arma raspada de calibre restrito. Com ele, os policiais encontraram também um caderno contendo várias anotações cifradas de dados da contabilidade do PCC.

Na caderneta havia também números de telefone ao lado de nomes e codinomes que, uma vez checados, levaram ao desvelar de uma teia de relações com velhos conhecidos dos investigadores. Um dos números, (13-***-1213) estava “em poder de Fredy da Silva Gonçalves Bento, conhecido por Fred”, cita o inquérito, “suspeito de estar a serviço do crime organizado no que tange à lavagem de dinheiro e/ou à ocultação de bens”.

A descoberta puxou a ponta de um enorme novelo de suspeições. Fredy é um multiempresário que tem uma constelação de negócios muito lucrativos. Ele começou a vida como feirante, foi policial militar e hoje nem sabe declinar a quantidade de negócios que tem.

Foi justamente esse crescimento vertiginoso que chamou a atenção dos policiais para o vasto patrimônio amealhado por ele —composto por lojas de roupa, uma produtora de eventos, restaurantes e diversas outras empresas.

Para a polícia, a rede de negócios comporia a grande lavanderia dos traficantes do PCC. E Fredy, o homem da foto com Bolsonaro, acabou enquadrado como suspeito dos crimes de associação para o tráfico de drogas e lavagem ou ocultação de bens.

Em diligência em campo, dois investigadores obtiveram a informação de que o empresário da Baixada bancava a ex-mulher, a atual e até de uma amante do traficante André do Rap.

Também chamou a atenção dos policiais o funcionamento de um restaurante de luxo no Guarujá pertencente à sua teia de negócios. De acordo com informações dos investigadores, o movimento do restaurante é mínimo e o faturamento supera 1 milhão de reais.

A capivara (ou ficha criminal) de Fredy é pública. Basta digitar o nome dele no Google para se chegar a uma reportagem do jornalista Rodrigo Hidalgo, da Band, sobre ele.

Em agosto do ano passado, Hidalgo descobriu a investigação sobre o esquema financeiro que dava sustentação contábil e fiscal a André do Rap e revelou ao Brasil a existência do inquérito que envolve o centroavante flagrado com Bolsonaro no dia do jogo beneficente.

Mas nem o Gabinete de Segurança Institucional (GSI) nem a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) nem ninguém no Governo sabia que Bolsonaro tinha sido levado a um evento onde haveria um suposto capo do PCC.

A reportagem procurou o GSI a Secretária de Comunicação do Governo para saber quais os protocolos de segurança foram seguidos no dia da partida —e como a presença de Fredy não foi notada. A Secom optou por não se pronunciar, e a assessoria de imprensa do GSI informou que “Bolsonaro foi convidado e prestigiou o evento, não sendo responsável pelos convidados” e direcinou os questionamento aos organizadores das partidas. Em nota, acrescentou que “o GSI não é responsável pela agenda do presidente, nem tem poder de polícia”. “O presidente Bolsonaro foi convidado, prestigiou a partida de futebol e, conforme competência legal deste gabinete, foi objeto das medidas e protocolos de segurança, previstos para garantir sua integridade.”

O inquérito contra Fredy, que ainda está na fase final de investigação conforme informou a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo ao repórter Gil Alessi, ainda não se transformou em ação formal na Justiça. Fredy, portanto, não tem contra si nenhuma condenação, o que lhe vale a condição (e o tratamento) que se deve dar aos inocentes.

Ele tem negado, nas redes sociais e por meio de advogados famosos, qualquer vinculação com o crime. Mas se recusa a apresentar a declaração de imposto de renda e a falar sobre um atentado que teria sido cometido contra sua própria irmã para afastar as suspeitas. Isso não lhe confere a condição de condenado, assim como não afasta a legitimidade da investigação policial levada a cabo pelo 27º Distrito Policial.

A rigor, pouco importa se ele é culpado ou inocente, se é do PCC ou apenas está sendo triturado no curso de um processo ainda em curso. Seja como for, alguém com as suspeitas que pairam sobre ele não poderia estar ao lado de um chefe de Estado.

Ninguém sabe como o suposto contador do PCC foi parar na posição de centroavante da partida que antecedeu a que foi disputada pelo presidente da República. Muito menos o GSI, que tem por função cuidar da segurança do mandatário e dos familiares dele.

O presidente do Santos, Andrés Rueda, disse, pelo Whatsapp, que “o evento foi organizado pela equipe do Narciso como todos os anos. O Santos somente cede o campo”.

Procurado, o organizador do evento, o ex-zagueiro Narciso dos Santos, afirmou que este ano a escalação dos dois times foi “terceirizada” para o empresário Rodrigo Jaka, com quem a TV Democracia não conseguiu falar. Segundo fontes policiais, ele é amigo, teve ou tem negócios com Fredy.

Até agora, ninguém assumiu a autoria da escalação dos times que disputaram a preliminar e a partida principal. Na relação que foi entregue aos jornalistas não há o nome do jogador que vestiria justamente a camisa 10 do Time Azul, o rival da equipe de Bolsonaro.

A polícia acredita que Fredy deveria ter sido escalado, ideia descartada a tempo de evitar mais um grave constrangimento para a imagem presidencial.

A partida do dia 28 celebrizou-se pela jogada de placa que culminou com o gol de Bolsonaro, descrito pelo locutor José Luis Datena como “uma marmelada”. O que não se sabia é que a cena de pastelão não foi o pior lance da partida pois antes o atacante Bolsonaro, no lastro de sua equipe de segurança, já havia feito um golaço contra. O Estado gasta milhões com um aparato de segurança que não é capaz de isolar seu presidente de um chefe de facção.


Fabio Pannunzio é editor da TV Democracia, canal jornalístico no YouTube. Jornalista vencedor de duas edições do prêmio Esso, trabalhou como comentarista e âncora em diversos programas da TV Bandeirantes.


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