155 anos de Rondon, O chefe dos chefes

   ARTIGO   


  Suelme Fernandes  

Cândido Mariano Rondon nasceu em Mimoso distrito de Santo Antônio de Leverger em 05 de maio de 1865, há 155 anos atrás. Tem descendência indígena Bororo do lado materno. Era Engenheiro Militar e bacharel em Matemática e Ciências Físicas pela Escola Militar do Rio de Janeiro, lugar onde conheceu o Positivismo de Auguste Comte e Benjamim Constant.

No começo do Séc. XX, Mato Grosso
era um imenso Estado fronteiriço que correspondia a 15% da área total do Brasil, envolvia os territórios de Rondônia e Mato Grosso do Sul, habitado por dezenas de sociedades indígenas ainda sem contatos, chamado de hinterland,  deserto ou confins do Brasil e “obstáculo” selvagem à civilização.                        

Na construção do recém proclamado regime republicano de 1889 e no pós Guerra do Paraguai 1864-1870, os meios de comunicação, a proteção das fronteiras, a descentralização administrativa dos estados, a integração e vigilância nacional passou a ter como símbolo máximo as comunicações telegráficas.

Em 1890 o Exército designou o jovem alferes-aluno de 24 anos, Candido Mariano da Silva Rondon para acompanhar o Major Ernesto Gomes Carneiro (nome de uma cidade de Mato Grosso) como encarregado para auxiliar na construção de uma linha telegráfica de 580 Km entre Goiás a Cuiabá.


Em 1892, após concluído estas ligações, Rondon assumiu o posto de chefia dessa comissão e o desafio de fazer o mesmo de Cuiabá a Corumbá pelo Pantanal até as fronteiras com a Bolívia e o Paraguai. Essa obra de integração das duas regiões de Mato Grosso acabou emperrada em 1896, sendo retomada de 1900 a 1906 e concluída nesse período, totalizando 1800 km de linhas telegráficas, sendo 450 km no Pantanal e 240 na floresta, com 16 estações telegráficas e 32 pontes. Nessa oportunidade a presença dos índios Terenas e Bororo foram determinantes para vencerem as adversidades do pantanal.

Em 1907 por ordem do Ministério da Guerra, Rondon é encarregado para ligar por um ramal telegráfico Cuiabá a Cáceres com 250 Km de linhas que em fevereiro de 1908 é inaugurada. Nesse mesmo ano o Presidente Afonso Pena determina mais uma tarefa, a maior de todas, ligar Cuiabá ao Acre, 1.600 Km. na selva amazônica.

Ainda em 1908 a linha chega a Diamantino e segue em direção ao noroeste de Mato Grosso até o rio Juruena. Em janeiro de 1915, sete anos mais tarde, depois da morte de dezenas de homens pela malária e muitos contratempos. Aos 50 anos de idade, Candido Mariano enviou um telegrama da estação do Rio Branco á capital do Rio de Janeiro: “ saudando o presidente Venceslau Brás e a república brasileira, ao som do hino nacional.

Só não terminou esse trecho em menor tempo porque em 1913 o trabalho foi interrompido pela convocação do Ministro da Guerra para que fosse para o Rio de Janeiro para discutir a Expedição Roossevelt-Rondon. A expedição começou no rio Apa, próximo a Corumbá e terminou no rio Amazonas, percorrendo 1600 km, entre os trechos de acesso e 640 km no famoso rio da Dúvida que passou a se chamar rio Roosevelt.

Entre 1927/1930, aos 62 anos Rondon seria o responsável por elaborar a primeira carta geográfica do Brasil ocidental, perfazendo 7.300 km lineares de terras e águas, determinando duzentas coordenadas geográficas e incluindo 12 novos rios no mapa do Brasil. Mapeou e demarcou com marcos e azimutes toda fronteira ocidental do país  através da Comissão de Inspeção de Fronteiras, tendo produzido 25 relatórios, 14 mapas que definiram os limites do Brasil com, Venezuela, Guiana Francesa, Guiana Holandesa, Guiana Inglesa, Colômbia, Peru, Bolívia, Uruguai, Paraguai e Argentina  e aos 85 anos definiu ainda a primeira Carta Geográfica de limites de Mato Grosso em 1950 e a definição exata do centro geodésico da América do Sul em Cuiabá em 1909.

Os efetivos operacionais de campo que ajudaram a construir tudo isso variavam de 120 a 600 homens e eram subdivididos em 3 grupos: a primeira divisão, com Rondon a frente era formada por soldados mais patenteados e com conhecimentos técnicos, faziam anotações topográficas, esboçavam um mapa e colocavam estacas a cada 90 metros. Outro grupo, mais atrás, abria pequenas picadas rasas de 2 metros de largura pra dar passagem às carroças e carros de bois. E o terceiro e último pelotão, era encarregado dos serviços mais pesados, abrir a faixa  de servidão das linhas com um vão de 30 ou 40 metros de largura, chamados picadões.

O trabalho começava logo cedo com o toque de corneta da alvorada às 4 da manhã, a tropa tomava um banho num córrego ou rio próximo e se apresentavam em ordem unida depois do desjejum do café e uma farofa de carne bovina seca reforçada ou de caça. As 5 punham-se em marcha no trabalho que terminava no pôr do sol, no final do dia tinha se trabalhado até 13 horas. Jantavam às 20 ou 21 horas às pressas e se recolhiam nas barracas.

Em domingos e feriados além do hasteamento da bandeira e o hino, Rondon costumava discursar por até duas horas sem parar sobre história brasileira e vultos nacionais.
Rondon andava sempre com  4 cachorros na frente, Santusa, Fortuna, Vulcão, Turco e Lontra e cavalgava quase sempre com uma mula de estimação chamada Barétia.

Num dia produtivo em terreno regular seu exército era capaz de erguer entre 100 a 150 postes e 11 km de linhas telegráficas. Em cada intervalo de 1,3 km de linha instalada, erguia-se um novo poste de 2 a 3 metros de altura. Numa conta rápida, entre Cuiabá e Rio Branco no Acre, foi instalado aproximadamente 1.230 postes. A cada 120 KM de linhas era construída uma estação telegráfica, com um aparelho morse, operadores e uma equipe de peões e um guarda fio encarregado  de garantir a faxina das faixas de servidão e manutenção das instalações.

Além de comunicação essas estações tinha como objetivo também a “pacificação” dos indígenas. Esse tema é bastante polêmico e controverso na academia.

Como positivista, Rondon tinha um lema “morrer se preciso for, matar jamais” era a chamada política de “pacificação” dos índios. Reconhecendo que o contato desses povos com as frentes de expansão e colonização seria um caminho inevitável, esses aldeamentos mais tarde, salvaria boa parte desses povos da extinção e extermínio e a garantia da propriedade de seus territórios.

Ao contrário dos EUA que através da Marcha para Oeste a a lei de povoamento de 1862 decretou a invasão e extermínio completo daqueles povos, as iniciativas de Rondon foi mais benéfica do que prejudicial pois colocou esses brasileiros natos sob a tutela civil e territorial do estado brasileiro.

Ao final de sua vida, aos 92 anos de idade em 1958 Rondon conseguiu como legado, implantar 4.230 km de linhas telegráficas garantindo as telecomunicações e integração nacional da recém criada republica brasileira, tendo para isso, percorrido aproximadamente 40 mil km a pé, por barco ou montaria.

A comissão também tinha a finalidade cientifica e possuía muitos pesquisadores como Alberto José Sampaio (1881-1946) e Frederico  Hoehne (1882-1959), dois dos maiores botânicos brasileiros de todos os tempos. A comissão publicou 100 livros, relatórios, mapas, explorações de rios e outros estudos das mas  diversas áreas do conhecimento: etnografia, geografia, cartografia, ictiologia, zoologia, mineralogia, botânica, ornitologia, astrologia, meteorologia e história. 

Rondon falava fluentemente 4 línguas européias e 6 indígenas e sua metodologia de campo influenciou todos os estudos antropológicos de campo do mundo.

Fundou em 1907 A comissão das Linhas Telegráficas Estratégicas de Mato Grosso  e Amazonas; o SPI em 1910, Serviço de Proteção ao Índio, sendo seu primeiro presidente, atual FUNAI e foi o responsável pela demarcação de quase 1/3 das terras indígenas existentes no Brasil, incluindo o Parque Nacional do Xingu em 1952.

Em 1950 foi indicado ao prêmio Nobel da Paz por Albert Einstein e pelo Clube dos Exploradores de Nova York. Existem no Brasil 3 cidades em seu nome, em Mato Grosso, Rondolândia e Rondonópolis; No Paraná Marechal Rondon e um Estado em sua homenagem, Rondônia. 

A sociedade geográfica de Nova Iork expôs seu nome em letras de ouro como um dos 5 maiores exploradores do mundo no Séc. XX: Byrd- Descobridor do polo sul; Charcot- Explorador da Antártica; Perry- Descobridor do polo norte e Rondon. Recebeu prêmios e honrarias na Bélgica, EUA, França, Itália, Portugal; Peru; Colômbia e Inglaterra.

As linhas telegráficas estrategicamente seguiam os cursos dos rios e o seu traçado antigo de tão bem desenhado, coincide com as atuais BR-070, 163-364 e 174 e em cada estação instalada surgiu mais tarde várias cidades, como Santo Afonso, Gal. Carneiro, Pontes e Lacerda, Ji Paraná, Vilhena, Campo Novo dos Paresis.

Aos 17 anos quando decidiu partir para alistar no Rio de Janeiro o tio criador de Candido Mariano, Manoel Rodrigues que fora capitão da Guarda Nacional na Guerra do Paraguai resolveu escrever uma carta de indicação do sobrinho para dar um “jeitinho”de ser aceito no exército já que segundo a lei, os filhos de militares teriam previlégio nas aceitações.

Para seu espanto Rondon não aceitou a carta pois sabia que não era filho legítimo, disse então: “pai só posso ter um...és meu tio que muito prezo e quem muito estimo. Nunca poderá ser meu pai”. Diante da insistência do tio arrematou: “se não puder me encaminhar sozinho, renunciarei a meus projetos e serei vaqueiro. Garanto-lhe um bom vaqueiro!”

Que esse exemplo de amor verdadeiro ao país, união nacional, ética e coerência na vida sirva de inspiração a todos nós e as futuras gerações!

 Viva Pajemera Rondon patrono das comunicações pelo seu aniversario, o chefe dos chefes na língua Bororo e todos os heróis anônimos que ajudaram          a escrever a história  da construção  desse país chamado Brasil.

Esse texto foi escrito baseado nas obras de Todd A. Diácon, Rondon, de Larry Rohter, Rondon Uma Biografia, Laura Antunes Maciel A nação por um fio e Antonio Carlos de Souza Lima, Um grande Cerco de Paz e O Brasil dos Brasileiros Relatórios científicos da Comissão Rondo de Elizabeth Madureira e outros.

Suelme Fernandes é analista político é Mestre em História. 
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