RIO - 1 ano sem bandeijão, alunos da UERJ passam dia sem comer e abandonam aulas

EDUCAÇÃO


Já fiquei sem comer o dia todo', diz o estudante de Engenharia Nelson Pires, que relata que colegas chegaram a trancar disciplinas em razão da falta do bandejão 

Fazer jejum involuntário durante o dia todo de aula ou trocar uma refeição completa por "alimentos paliativos", como lanches, salgados ou açaí, é rotina para alguns dos estudantes da Uerj (Universidade Estadual do Rio de Janeiro) desde que o bandejão, restaurante universitário, parou de funcionar há mais de um ano, num dos inúmeros reflexos da crise econômica que assola o Estado. O atraso nos repasses para bolsistas também agrava o problema, que tem levado estudantes a trancar matrículas de disciplinas. 

"Já fiquei o dia todo sem comer. É comum entre alunos. Deixo de comer, às vezes, por causa do preço dos restaurantes da região. Se eu for comer todo o dia, isso custa, no mínimo, R$ 50 por semana, uns R$ 200 por mês. Na verdade, sai muito mais caro do que isso", disse o estudante de Engenharia Civil Nelson Pires, 25. 

A situação de subalimentação de universitários é crítica, segundo Mauricio Santoro, professor de Ciências Políticas da Uerj. "Há estudantes que almoçam em casa antes de sair, por volta das 10h, e só comem de novo quando voltam para casa à noite", relatou. 

"O que aconteceu em Brasília [a criança que desmaiou de fome em uma escola no dia 13 deste mês] está se repetindo em vários lugares do país. A fome não é, de modo algum, restrita a bolsões de miséria. Está acontecendo, inclusive, com alunos de grandes centros também", continuou. 

O fechamento do bandejão --cuja reabertura está prevista para o dia 4 de dezembro-- e os atrasos no pagamento das bolsas afetam em cheio os alunos de baixa renda, os quais muitos tiveram acesso à Uerj por meio do sistema de cotas. 

A privação de alimento do bandejão tem um impacto muito grande na vida do aluno, segundo Ana Carolina Feldenheimer, professora do Instituto de Nutrição da Uerj.

"Muitos deles dependem do bandejão e têm nele uma alimentação fundamental no dia. A falta do restaurante e o atraso das bolsas --que suprem alimentação, transporte, fotocópias-- se tornam fatores complicados. Muitos alunos estão desistindo de ir e trancando períodos".

Ana Carolina Feldenheimer, professora do Instituto de Nutrição da Uerj 


"O que a gente percebe é que os estudantes de baixa renda estão desistindo do ensino superior, que nada mais é do que uma oportunidade de mudar de vida para obter trabalhos qualificados. Como a Uerj tem um amplo sistema de cotas, nós vemos muita mudança de perspectiva nos estudantes", diz ela. "Essa evasão está destruindo o sonho de uma geração." 

O professor Santoro afirma que muitos de seus alunos não têm coragem de reconhecer a situação. "Passar fome é algo que traz vergonha, de certa forma", explicou. "A Uerj está complicada, um caos. Há pessoas passando extrema necessidade, mas o pessoal evita falar sobre essas dificuldades por vergonha", afirmou o estudante Pires. "E olha que a minha situação não é das piores, aliás, bem longe disso. Há pessoas com muito mais dificuldades financeiras", completou

Procuramos outros estudantes que relataram, em redes sociais, episódios de falta de comida e/ou fome após a interrupção do bandejão, mas nenhum deles se manifestou até o fechamento da reportagem. 

"Pelo que tenho conversado por aqui, há um número relativamente grande de estudantes passando por esta situação. São mais de 30 mil alunos na Uerj e cerca de 1/3 deles têm algum tipo de bolsa na universidade, que está atrasada há dois meses", relatou o professor de Ciências Políticas. 

"[Bolsas] De mestrado e doutorado, mas também as de permanência, destinada a alunos que precisam dela para se manter na universidade, e que vêm atrasando nos últimos meses. Hoje, você paga R$ 15, R$ 20 para almoçar na região, mas esses valores pesam muito no bolso das famílias." 


Sem bandejão, estudantes trancam disciplinas 

Embora o bandejão esteja ocupado por alunos da universidade --que tentam suprir a alimentação mediante doações e ao preço de R$ 2 por refeição--, Pires diz que o fornecimento é irregular. "A intenção é boa, mas, muitas vezes, não há comida. Eu mesmo tentei comer duas ou três vezes por lá, mas [o serviço de refeições alternativo] já tinha acabado", afirmou.



Com informações do UOL

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