Laudo da PF é superestimado; relatório de delegado se finge de denúncia. Tiro n’água!
Diante de um STF acovardado, também a Polícia Federal se arvora, ora vejam, em formuladora da denúncia, que é papel que cabe ao Ministério Público. Mas quê... Na atual quadra da República, ninguém se conforma em exercer o papel que lhe faculta a lei.
O que foi que disse mesmo o decano Celso de Mello no dia em que alguns ministros do STF decidiram que “supremo” pra valer é o acordo entre um bandido e um procurador? Ah, lembrei: o Rodrigo Janot, o acusador-geral da República, segundo o ministro, não poderia ser surpreendido por um “gesto desleal” do tribunal. Por deslealdade, ora vejam, entendia-se resistir à ideia de que, pouco importa seus termos, um acordo de delação é irrecorrível. Diante dele, o Supremo reconhece sua falência. Um documento mais alto se alevanta.
Ora, diante de um tribunal que se acovarda, como está prestes a fazer o STF, o que e vê? O óbvio: um Ministério Público Federal que se agiganta do ponto de vista político e que exibe notável fragilidade técnica. Qualquer advogado razoavelmente capaz faz picadinho da denúncia apresentada contra o presidente Michel Temer por Janot. Tanto pior quando se sabe que mais da metade do texto nada tem a ver com o tal repasse de dinheiro de Joesley a Rodrigo Loures, que, por sua vez, seria sócio de Temer na empreitada criminosa. Já evidenciei isso.
Diante de um STF acovardado, também a Polícia Federal se arvora, ora vejam, em formuladora da denúncia, que é papel que cabe ao Ministério Público. Mas quê… Na atual quadra da República, ninguém se conforma em exercer o papel que lhe faculta a lei. Ou não vimos, no acordo de delação da Odebrecht, o Ministério Público Federal a distribuir penas informais, como se Justiça fosse? Vivemos na República dos Usurpadores. E todos eles acham que estão fazendo um bem imenso ao Brasil. Nem diga! Se a eleição fosse hoje, o futuro presidente do Brasil seria… Luiz Inácio Lula da Silva. O PT voltou a ser a legenda mais admirada do país, com mais do que o triplo do segundo lugar.
Isso deveria dizer alguma coisa a certa direita xucra. Mas vocês sabem: os xucros são mais notáveis por garbosos do que por inteligentes. Os nossos, nem isso: um bando de gabirus políticos a arrotar formuletas sem qualquer aplicação prática no Brasil real. Nessa toada, teremos um futuro governo de esquerda, e Deus tenha piedade de nós. E Ele não terá porque faz muito bem em não se meter com essas mundanidades.
Li o relatório de 75 páginas assinado pelo delegado Thiago Delabary. Dizer o quê? Ele não se limita a informar o que vai nas gravações e suas eventuais conexões com dados já conhecidos. A PF, antecipando-se a Janot, acusa o presidente “por embaraçar investigação de infração penal praticada por organização criminosa, na medida em que incentivou a manutenção de pagamentos ilegítimos a Eduardo Cunha (deputado cassado preso), pelo empresário Joesley Batista, ao tempo em que deixou de comunicar autoridades competentes de suposta corrupção de membros da Magistratura Federal e do Ministério Público Federal que lhe fora narrada pela mesmo empresário”.
É um espanto. Trata-se de uma ilação a partir de um trecho extraído do laudo, que segue abaixo, em que duas palavrinhas seriam suficientes para levar Temer à guilhotina. Transcrevo o essencial:
Joesley: (ininteligível) Todo mês…
Michel Temer: O Eduardo também, né?
Joesley: Também.
Michel Temer: É…
Sabe o que impressiona? Embora, segundo a PF e o MPF, todos compusessem uma organização criminosa, da qual, segundo Joesley — o homem que nunca gravou Lula —, o agora presidente era “o número 1”, a fala nunca é explícita. A conversa de Temer com Joesley, conduzida por este, que sabia que estava fazendo a gravação, nada traz de evidente, de claro. Por mais imaginação que se tenha, nada autoriza a concluir que os trechos inaudíveis escondem a confissão de um crime.
Nas conversas entre Loures e Ricardo Saud, que embasaram a denúncia apresentada nesta segunda por Janot contra Temer, não há uma só passagem inequívoca que caracterize uma combinação da qual estivesse ciente o presidente. Que Loures se encontrasse a fazer lambança com o grupo JBS, isso parece inequívoco. Note-se que, em nenhum momento, se diz a palavra “Temer”! Ora, se estavam todos mancomunados, por que não? E, ainda que se dissesse, restaria evidenciar que o presidente de fato tinha ciência da safadeza e que um outro não usava o seu nome sem consentimento.
É lealdade a esse tipo de coisa que cobra Celso de Mello? Impressiona que o decano do Supremo se dê por satisfeito que um procurador-geral apresente uma denúncia contra o presidente com base em trechos inaudíveis de uma gravação; em conversas ambíguas para flagrante induzido que, em momento nenhum, evidencia a conivência do presidente; em delações premiadas e, para escândalo dos escândalos, numa prova original ilícita, que gerou outros tantos procedimentos viciados, como o flagrante armado.
Sim, isso tem, sim, características de estado policial, ainda que meio mambembe. Não quer dizer que não seja perigoso.
Reinaldo Azevedo
Publicada: 27/06/2017
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